Nos últimos dias tenho trocado comentários com um leitor do Átomo e meio, no post Algumas considerações sobre o facilitismo dos exames nacionais – parte 2 (as calculadoras gráficas) (na realidade, não é só nos exames nacionais, mas em todo o percurso escolar).
Num dos meus comentários afirmei que já por várias vezes foi tornada pública a opinião de professores do ensino superior, sobre a falta de capacidade com que os alunos estão a chegar às universidades, principalmente na área de ciências. Estes professores estão de acordo que os estudantes não estão menos inteligentes, apenas infantilizados e subaproveitados.
Ora, nem de propósito. Hoje vem publicado no Público um interessante artigo sobre este mesmo tema: Estudantes têm cada vez mais dificuldades de base a Matemática (Falhas na preparação dos alunos estão a afectar cursos)
Este é um tema que sobe de importância se atendermos ao facto de muitos estudantes estarem, muito em breve, a realizar as suas candidaturas ao ensino superior, enquanto que outros estarão a decidir a área em que irão prosseguir estudos no secundário e outros ainda estão a pensar quais as disciplinas opcionais que irão seleccionar no 12º ano.
Segue parte do artigo que, apesar de focar a Matemática, encontra grande paralelismo com a situação da Física e da Química.
(…) Estamos a falar de um problema que afecta cada vez mais os “caloiros” nas universidades. O PÚBLICO ouviu vários professores universitários portugueses que leccionam cadeiras onde “o bicho-de-sete-cabeças” é central. Confrontam-se, diariamente, com alunos “sem hábitos de trabalho e sem espírito de sacrifício”. E temem os efeitos desta “cultura de facilitismo”. (…)
Uma opinião corroborada por Paulo de Carvalho, que lecciona Teoria da Informação e Computação Gráfica na licenciatura em Engenharia Informática na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. “Classifico-os como uma geração wikipedia: satisfazem-se muito facilmente com conhecimentos superficiais”, explica o docente de 42 anos, a dar aulas há 19 anos. “Há ausência de consolidação de conceitos e os alunos estão viciados no uso da calculadora.”
Ana Isabel Filipe, do departamento de Matemática e Aplicações da Escola de Ciências Universidade do Minho, que tem dado cadeiras de Álgebra Linear, Análise Matemática e Cálculo em cursos na área das engenharias, faz uma radiografia: “Os alunos estão dentro de cursos que não gostam. Procuram um curso com empregabilidade e ocupam a vaga de quem até tinha uma nota menor mas tinha gosto. Estão todos fora do sítio”, explica a professora de 55 anos que dá aulas desde 1978.
O Instituto Superior Técnico, da Universidade Técnica de Lisboa, não é excepção. Luísa Ribeiro, docente do departamento de Matemática que tem leccionado cadeiras como Cálculo Diferencial e Integral em várias engenharias, admite que os alunos mudaram. Fizeram há dois anos uma prova de aferição para perceberem as suas dificuldades. Uma das perguntas – que servia para “aquecer” – era quanto é um meio mais um meio e a resposta era de escolha múltipla. Cerca de 27 por cento falhou. Em jeito de ironia Luísa Ribeiro, de 53 anos, assume que chegam “infantilizados”, o que não estranha tendo em conta que “até a idade pediátrica foi alargada até aos 18 anos”. “Em algum lado têm de começar a ser responsáveis. Têm uma preparação de uma pessoa de início de secundário ou pior. São ensinados a não pensar e isso em Matemática é desastroso. Foram treinados como um cãozinho para um exame”, diz Luísa Ribeiro. (…)
Para estes docentes um dos “culpados” é o (ab) uso da calculadora. “Explico- lhes que não é nenhum oráculo e que a Matemática é simples mas exige trabalho. É preciso treinar o raciocínio abstracto e a verdade é que já nem sabem somar fracções, multiplicar potências...”, prossegue Luísa Ribeiro, que critica o facto de “tudo se fazer para ter estatísticas de sucesso sem nunca defi nir o que é sucesso”.
(…) Ana Rute Domingos também sublinha que ao disseminar-se a ideia de que o ensino tem de ser muito divertido esqueceu-se a importância, por exemplo, da memorização. (…) Ressalva, no entanto, que os alunos de hoje não são menos inteligentes, “não se trabalha é o que têm”. Um factor que Paulo de Carvalho também não coloca em causa. “Os alunos são igualmente inteligentes. A formação é que é o problema. Na década de 1990 instalou-se a ideia romântica de que a aprendizagem tem de dar prazer e isso não é uma verdade absoluta. Vivemos um problema de inteligência pública”, defende. (…) “Criou-se a ideia de que a aprendizagem não é dolorosa. Há um culto do facilitismo e de desvalorizar o conhecimento que se acentuou com os cursos de três anos”, conclui Oliveira Martins. Fonte
Para reflectir.
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Fonte (Cartoon de Dave Granlund, inspirado pela diminuição da preparação base dos alunos dos Estados Unidos)